Projeto Poesia às 2as.feiras



MEIRELES, Cecília. Balada de Ouro Preto. IN: Mar absoluto e outros poemas; Retrato natural. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983. p.251

Parei a uma porta aberta
para mirar um ladrilho.
Veio de dentro um leproso
como quem sai de um jazigo.
Caminhava ao meu encontro,
sinistramente sorrindo.

Mas vi-lhe os braços de líquen
e as duas mãos desfolhadas,
que cauteloso escondia
nos fundos bolsos das calças.
Chamas de um secreto inferno
em seu sorriso oscilavam.

Fora menos triste a lepra
do que o fogo do sorriso.
E era linda aquela casa
com o vestíbulo vazio;
e era alegre aquela porta
de claro azulejo antigo.

Ó Santos da Idade Média,
descei por esta ladeira,
parai a esta porta suave,
que de azul toda se enfeita,
tocai estes braços fluidos
que vão sendo rosa e areia,
tornai-os firmes e pulcros,
com mãos lisas, dedos novos,
para que estes homens não fite
ninguém mais com os mesmos olhos,
e seja outro o seu sorriso
por saecula saeculorum.


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