Projeto Poesia às 2as.feiras


QUINTANA, Mário. Um nome na vidraça. IN: Baú de espantos. Rio de Janeiro, Alfaguara, 2014. p.74

A guriazinha
desenha as letras do seu nome na vidraça
-- encantadoramente malfeitas --
as letras escorrem...
Enquanto isso,
umas pessoas morrem,
outras nascem...
Entre umas e outras,
viro mais uma página desta novela policial.
E exatamente à página 293, verifico,
quando o herói vai torcendo cautelosamente o trinco da porta,
interrompo
a leitura
e ele e todos os outros personagens ficam parados.
Eu sou o Deus catastrófico: não ligo,
olho agora a litografia da parede
-- um trigal muito louro e acima dele apenas uma asa contra o céu azul.
É como se eu abrisse uma janela na frustração da chuva!
Bem, neste momento as pessoas já devem ter morrido ou nascido.
A verdade, minha filha,
é que eu não sei como parar este poema:
nos dias de chuva sobem do fundo do mar os navios fantasmas,
sobem ruas, casas, cidades inteiras,
e procissões, manifestações, os primeiros
e os últimos encontros, o padre-cura e o boticário
discutindo política na esquina...
(A guriazinha
apaga as letras lacrimejantes da vidraça.
E recomeça...)

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