QUINTANA, Mário. Sei que choveu à noite. IN: Baú de espantos.
Rio de Janeiro, Alfaguara, 2014. p.24
Sei que choveu à noite. Em cada poça há um brilho azul e nítido.
Sobre as telhas, os diabinhos insivisíveis do vento escorregam
[num louco tobogâ.
Um mesmo frêmito agita as roupas nos varais e nos brincos nas orelhas...
Ó ânsia aventureira! Parece que surgem bandeirolas nos dedos
[mágicos dos inspetores do tráfego... Ah, que vontade de desobedecer os sinais!
E mesmo as escolas, onde agora está presa a meninada, nunca
[essas escolas rimaram tão bem com opressivas gaiolas...
Só deveria haver escolas para meninos-poetas, onde cada um
[estudasse com todo o gosto e vontade o que traz na
[cabeça e não o que já está escrito nos manuais.
E, se duvidares muito, daqui a pouco sairão voando todas as
[gravatas-borboletas, enquanto os seus donos atônitos
[aguardam o sinal verde nas esquinas
[Decerto elas foram em busca de novos ares...
Mas sossega, coração inquieto. Não vês? Sob o sol azul cada vez
[mais azul, a cidade lentamente está zarpando para um porto
[fantástico do Oriente.
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