O Casmurro Bentinho




Por Thiago Sobreira de Paiva* e Edmilson José de Sá** | Foto: CP-Literatura 58 | Adaptação web Caroline Svitras
Quem já teve a preocupação de consultar o dicionário sobre o sentido da palavra casmurro ou já o descobriu em alguma análise da obra de Machado de Assis, deve ter feito várias indagações sobre a relação lexicográfica com o conto Dom Casmurro, do autor do Realismo Brasileiro. 
No Dicionário de Antônio Houaiss, casmurro caracteriza o indivíduo teimoso, obstinado, cabeçudo e aí vem a pergunta: teria Bentinho, um dos protagonistas do conto, alguma razão para tal alcunha ou isso é coisa do leitor inexperiente? Talvez um olhar diferenciado sobre o contexto da obra ajude a tirar essa dúvida.
Dom Casmurro é um exemplo da habilidade de Machado de Assis — e um nome como passou a ser chamado — como romancista, comprovado, aliás, em toda a sua obra.
Na visão do escritor e jornalista paraense José Veríssimo Dias de Matos (1857 – 1916), trata-se do conto sobre um homem inteligente, porém simples, que desde rapazinho se deixa iludir pela moça que amara ainda menina e que o enfeitiçara com a sua faceirice calculada, com a sua profunda ciência congênita dedissimulação, a quem ele se dera com todo ardor compatível com o seu temperamento pacato. 
Ela o enganara com o seu melhor amigo, também um velho amigo de infância, também um dissimulado, sem que ele jamais o percebesse ou desconfiasse. Somente o veio a descobrir quando o amigo querido lhe morre num desastre. Um olhar lançado pela mulher ao cadáver, aquele mesmo olhar que trazia “não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca”, o mesmo olhar que outrora o arrastara e prendera a ele, e que ela agora lançava ao morto, lhe revela a infidelidade dos dois. Era impossível em história de um adultério levar mais longe a arte de apenas insinuar, advertir o fato sem jamais indicá-lo. 
A insegurança muda o comportamento
Após os primeiros dias de separação, duros e opacos, como relata o narrador, Bentinho recebe notícias de sua mãe e seu tio, trazidas por José Dias. Entre uma conversa e outra, Bentinho acaba por fim perguntando por Capitu, como resposta José Dias fala que ela vivia alegre como sempre, enquanto não pegasse algum peralta da vizinhança, palavras que foram suficientes para despertar um novo sentimento em Bentinho. 
Esse sentimento só fez aumentar a angústia de Bentinho por toda a situação. Daí, nasce uma insegurança que só aumenta sua vontade de ir até a casa, para isso, pede ao agregado que o leve ao sábado, com a desculpa de que assim possa diminuir a saudade que sente por sua mãe. Durante a visita à sua casa, Bentinho questiona os sentimentos de Capitu, reclamando da alegria que ela sentia desde sua entrada no seminário, enquanto ele vivia sofrendo de saudades. Como defesa, Capitu afirma que não tem como agir de forma diferente, caso contrário, todos iriam desconfiar, e assim os planos deles seriam arruinados.
Durante algum tempo, dona Glória, doente, pede que chame seu filho Bentinho do seminário para que ele a visite. José Dias vai até o seminário e trata de trazer o rapaz. Bentinho chega a pensar se o estado de sua mãe é muito grave, e se por acaso tenha risco de morte. Ao mesmo tempo em que lhe vem esse pensamento, o rapaz pensa que se sua mãe morrer ele estará livre do seminário. Pensamento que o faz sentir-se mal, e depois pedir perdão a Deus. Passada a doença de sua mãe, Bentinho passa alguns dias em casa, e lá recebe a visita de seu amigo Escobar. O rapaz vai até a casa de Bentinho saber da saúde de dona Glória. Até ali, o rapaz nunca havia visitado Bentinho. Aproveitou a oportunidade para conhecer seus parentes e após insistência dos mesmos, aceitou a convite para jantar. Ao final do jantar, Bentinho foi com Escobar até a porta, onde lá esperaram a passagem do ônibus. 
Enquanto estiveram Escobar e Bentinho trocando os últimos afetos de despedida, Capitu observava pela janela de sua casa. E enquanto estiveram ali, passou um rapaz a cavalo, e durante a breve passagem Bentinho notou trocas de olhares entre ele e Capitu.
Ainda com os pensamentos de ciúme o perturbando, Bentinho relembra o comentário feito por José Dias a respeito de Capitu: “Aquilo enquanto não pegar algum peralta da vizinhança que case com ela…”. Certamente, fazendo alusão ao rapaz. Por um instante, Bentinho tem o desejo de perguntar-lhe o que havia entre Capitu e os peraltas do bairro, mas ao mesmo tempo tinha medo da resposta que poderia receber do agregado. Sendo assim, preferiu sair o quanto antes daquele lugar e da situação em que se encontrava, e aí mencionou: 
Escapei do agregado, escapei a minha mãe não indo ao quarto dela, mas não escapei a mim mesmo. Corri ao meu quarto, e entrei atrás de mim. Eu falava-me, eu perseguia-me, eu atirava-me à cama, e rolava comigo, e chorava, e abafava os soluços com a ponta do lençol. Jurei não ir ver Capitu aquela tarde, nem nunca mais, e fazer-me padre de uma só vez…(p.137) 
Passada toda essa situação, Bentinho decide conversar com Capitu, e como ele mesmo diz: “Quis resolver tudo, ouvi-la e julgá-la; podia ser que tivesse defesa e explicação.” (p.138) E havia ambas as coisas. Ao saber do motivo da reclusão de Bentinho, Capitu afirma ser uma grande injúria que lhe era feita, mesmo depois da troca de juramentos feita por ambos. Capitu acaba caindo em lágrimas, seguidas de um sinal de separação, fazendo, assim, Bentinho sentir-se culpado por tê-la feito passar por toda aquela situação.
Fonte: http://literatura.uol.com.br/o-casmurro-bentinho/

Comentários