GULLAR, Ferreira. Adeus a Tancredo. IN: Toda poesia (1950-1999). 10ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 2001. p.385
Companheiro Tancredo Neves,
não vou chamar você de Excelência logo agora
quando, mais que nosso presidente,
você é o irmão ferido
e que se vai.
Foi você quem conduziu, de uma ponta a outra do país,
acima de nossa cabeça,
uma tocha de chama verde como a esperança.
Esperança é uma palavra gasta
mas não era a palavra, era a esperança mesma
que você carregava
e que ainda luzia em suas mãos hoje
no derradeiro momento
num quarto de hospital em São Paulo.
E quando suas mãos se apagaram,
essa chama
brilhou no céu da pátria nesse instante.
Pátria é uma palavra gasta,
mas pátria é terra, é mãe,
embora muitos de nós, milhões de nós,
ainda vagueiem pelas cidades e pelos campos,
sem o penhor de uma igualdade
que havemos de conquistar com braço forte.
Pátria é uma palavra gasta
mas no seio dela não descansarás, Tancredo amigo,
no chão macio de São João Del Rei,
amado pelo povo e à luz do céu profundo.
Povo também é uma palavra gasta
mas o povo -- o povo mesmo -- despertou
quando lhe prometeste uma nova República,
iluminada ao sol do novo mundo.
E ela virá. E tu a construirás conosco,
erguendo nossos braços, cantando em nossa boca,
caindo e levantando como este povo
em que -- ao morrer -- te transformaste.
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