GULLAR, Ferreira. Digo sim. IN: Toda poesia (1950-1999). 10ed., Rio de Janeiro, José Olympio, 2001. p.299
Poderia dizer que a vida é bela, e muito,
e que a revolução caminha com pés de flor
nos campos de meu país,
com pés de borracha
nas grandes cidades brasileiras
e que meu coração
é um sol de esperanças entre pulmões
e nuvens
Poderia dizer que meu povo
é uma festa só na voz
de Clara Nunes
no rodar
das cabrochas no carnaval
da Avenida
Mas não. O poeta mente.
A vida nós a amassamos em sangue
e samba
enquanto gira inteira a noite
sobre a pátria desigual. A vida
nós a fazemos nossa
alegre e triste, cantando
em meio a fome
e dizendo sim
-- em meio à violência e a solidão dizendo
sim --
pelo espanto da beleza
pela flama de Tereza
pelo meu filho perdido
neste vasto continente
por Vianinha ferido
pelo nosso irmão caído
pelo amor e o que ele nega
pelo que dá e que cega
pelo que virá enfim,
não digo que a vida é bela
tampouco me nego a ela:
-- digo sim
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