Projeto Poesia às segundas-feiras


ANDRADE, Carlos Drummond de. Canto brasileiro. IN: As impurezas do branco. 7a.edição, Rio de Janeiro, Record, 1998. p.105

Brasil:

o nome soa em mim é sino
ardendo fogueira despetalada
em curva de viola
claor de velhas horas no estridor
de coisas novas.
                               Brasil

meu modo de ser e ver e estar triste e pular
em plena tristeza como se pula alto
sobre água corrente

Meu país, essa parte de mim fora de mim
constantemente a preocupar-me. Se o esqueço
(e esqueço tantas vezes)
volta
em cor, em paisagem
na polpa de goiaba na abertura
de vogais
no jogo divertido de esses e erres
e sinto
que sou mineiro carioca amazonense
coleção de mins entrelaçados.
São todos eles e
o sentimento subterrâneo
de dores criativas e fadigas
que abriram picadas
criaram bois e mulas e criam búfalos
e trabalham o couro o ferro o diamante o papel o destino.
Por que o Brasil e não
outro qualquer nome de aventura?
Brasil fiquei sendo serei sendo
nas escritas do sangue.
Minha arte de viver foi soletrada
em roteiros distantes?
A vida me foi dada em leis e reis?
Me fizeram e moldaram
em figurinos velhos? Amanheço.

Confuso amanhecer, de alma ofertante
e angústias sofreadas
injustiças e fomes e contrastes
e lutas e achados rutilantes
de riquezas da mente e do trabalho,
meu passo vai seguindo,
no ziguezague de equívocos,
de esperanças que malogram mas renascem
de sua cinza morna
Vai comigo meu projeto
entre sombras minha luz
de bolso me orienta
ou sou eu mesmo o caminho a procurar-se?

Brasa sem brasão brasilpaixão
de vida popular em mundo aberto
à confiança dos homens.
Assim me vejo e toco: brasileiro
sem limites traçados para o amor humano.
A explosão ingênua de desejos
a sensual vontade de criar
a pressa de revelar a face inédita
a cachoeira, o corisco, o som gritante
o traço americano
o sêmen novo
não me fazem um ser descompassado.
Brasileiro sou,
moreno irmão do mundo é que me entendo
e livre irmão do mundo
me pretendo.

(Brasil, rima viril de liberdade)

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