Projeto Poesia às segundas-feiras


MURRAY, Roseana; Galvão (ilustração). Tantos medos e outras coragens. São Paulo, FTD, 2007. 32p. (Segundas histórias)

Muitos medos a gente tem
e outros a gente não tem.
Os medos são como olhos de gato
brilhando no escuro.

Há, por exemplo, o medo de escuro
e tudo o que o escuro tem:
lobo mau, floresta virgem, alma
do outro mundo, portas fechadas,
cavernas, porões, ai que pavor!

O escuro tem mãos de veludo
que fazem o coração rolar
pela escada,
pela rua,
pela noite afora
como um cavalo sem freio.

E tem o medo de bicho
rato, cobra, barata,
morcego, aranha e lagartixa.
Tem gente que dá chilique,
grita, se arrepia, se arrebita,
e tem gente que nem liga,
pega o chinelo
e já vai esmigalhando,
ou simplesmente,
de um jeito mui digno,
passa por cima.

E tem o medo de conhecer
outras pessoas
medo de ir à festa,
medo de dançar errado,
o medo terrível de qualquer primeiro dia.

E tem o medo de mudar
de casa,
de mudar de rua,
de cidade, de país.

Mas tem gente que adora ir
e dançar e conhecer amigo novo.
Tem gente que adora se mudar,
que adora primeiro dia de aula.

E o medo de roupa nova
tão sem a cara da gente.
Medo de comprar sapato,
medo de falar no telefone
com quem nunca falou.

Mas tem quem escolhe fácil,
entra na loja e já vai
sabendo o que é bonito
sem nem duvidar.

E o medo de que não gostem
mais da gente,
depois de tanto tempo
sem se ver,
ou que tenham esquecido 
o nosso nome.

Tem gente que nem  pensa nisso.
Acha que é inesquecível e 
gostável sempre.

E o medo de não conseguir
não importa o quê:
fazer um desenho b9nit,
tirar nota boa,
aprender violão.

Tem gente que,
mesmo sem saber,
já sai tocando
a bola pra frente.

E o medo de não achar
um amor na vida,
de ficar só no mundo
a vida inteira.

Tem gente que nunca
pensou no assunto,
acha que tem um amor
sempre esperando
na próxima esquina.

Os medos são como
flores secretas,
cores secretas,
invisíveis vaga-lumes
marcando o caminho.

Isso a gente faz,
isso a gente não faz.
Como um relógio oculto.

Isso a gente faz,
isso a gente não faz.

Que a vida é um jogo
assim,
de tantos medos 
e outras coragens.

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