Varal de poesias - Setembro 2014


Varal de Poesias

A Biblioteca presta homenagem a um dos fundadores do neoconcretismo, o poeta e escritor Ferreira Gullar, que completa 84 anos neste mês. Informações: 2087-4177.
Biblioteca Monteiro Lobato (ver endereços)
1º a 30 de Setembro 2014
De segunda a sexta-feira, das 9 às 18h30, sábados das 9 às 17h30


Gullar, Ferreira (1930)    

Biografia
José Ribamar Ferreira. (São Luís MA 1930). Poeta, crítico de artes plásticas, dramaturgo e tradutor. Aos 18 anos, trabalha como locutor na Rádio Timbira e redator no Diário de São Luís - adota o pseudônimo de Ferreira Gullar. Em 1949, publica seu primeiro livro, Um Pouco Acima do Chão. Muda-se para o Rio de Janeiro, em 1951, e trabalha como redator nas revistas O Cruzeiro e Manchete e no Jornal do Brasil.

Lança o livro A Luta Corporal (1954) e conhece os poetas Augusto de Campos (1931), Haroldo de Campos (1929-2003) e Décio Pignatari (1927).  Com eles, Gullar participa da fase inicial do movimento concretista, inclusive da Exposição Nacional de Arte Concreta, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), em 1956.



Em 1957, rompe com os poetas concretos, após ler artigo de Haroldo, Da Psicologia da Composição à Matemática da Composição, no Jornal do Brasil. Em resposta, publica no mesmo jornal Poesia Concreta: Experiência Fenomenológica, artigo no qual discorda do racionalismo excessivo da poesia concreta e defende mais subjetividade, proposição que resulta na criação do movimento neoconcreto.

Torna-se amigo do crítico de arte Mário Pedrosa (1900-1981), com quem debate conceitos de arte no contexto. Por ocasião da 1ª Exposição Neoconcreta, realizada no Rio de Janeiro em 1959, escreve o Manifesto Neoconcreto, publicado no Jornal do Brasil e assinado também por Amilcar de Castro (1920-2002), Aluísio Carvão (1920-2001), Franz Weissmann (1911-2005), Hélio Oiticica (1937-1980), Lygia Clark (1920-1988), Lygia Pape (1927-2004), Reynaldo Jardim (1926- ) e Theon Spanudis (1915-1986). As ideias do movimento são expostas na Teoria do Não Objeto, publicada nesse mesmo ano.

No início da década de 1960, seus trabalhos revelam suas preocupações e orientação política. Escreve poemas de cordel, como João Boa Morte, Cabra Marcado pra Morrer. Em 1961, dirige a Fundação Cultural em Brasília, para qual elabora o projeto do Museu de Arte Popular. Em 1962, é presidente do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC/UNE). Em 1964, seu ensaio Cultura Posta em Questão tem a primeira edição queimada, durante invasão de militares à UNE. Filia-se ao Partido Comunista e funda o Grupo Opinião, com os dramaturgos Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), Paulo Pontes (1940-1976), entre outros. Após o Ato Institucional nº 5 (AI-5), em 1968, é preso com o jornalista Paulo Francis (1930-1997) e os músicos Gilberto Gil (1942- ) e Caetano Veloso (1942- ). A partir de 1971, seguem-se anos de exílio em Paris, Moscou, Santiago, Lima e Buenos Aires. Nesse período, colabora para O Pasquim - usando o pseudônimo de Frederico Marques - e publica seu livro mais conhecido, o Poema Sujo (1976).

Retorna ao Brasil, em 1977. Escreve para o teatro e a televisão. Em 1980, é lançada a edição completa de seus poemas, Toda Poesia (reeditada em 1999, com acréscimo de obras recentes). De 1992 a 1995, é diretor do Instituto Brasileiro de Arte e Cultura (Ibac), que volta a ter o antigo nome, Fundação Nacional de Arte (Funarte). Gullar recebe e é homenageado com diversos prêmios, entre eles o Prêmio Camões, em 2010.

Comentário crítico
Ferreira Gullar é considerado um dos maiores poetas de língua portuguesa. E também um importante teórico e crítico das artes visuais brasileiras. Do ponto de vista literário, sua produção passa por diferentes fases, desde o experimentalismo e o lirismo até a poesia de cordel e a dicção coloquial. No livro A Luta Corporal, de 1954, por exemplo, encontram-se composições intimistas de forte musicalidade; poemas em prosa; peças concisas e substantivas que se aproximam de João Cabral de Melo Neto, como Galo Galo; e também textos experimentais que antecipam a poesia concreta, pela espacialização das linhas na página, fragmentação da palavra e criação de neologismos.

Um bom exemplo da arquitetura poética desse livro é o poema O Anjo: "O anjo, contido / em pedra / e silêncio, / me esperava. // Olho-o, identifico-o / tal se em profundo sigilo / de mim o procurasse desde o início. // Me ilumino! todo / o existido / fora apenas a preparação / deste encontro. // O anjo é grave / agora. / Começo a esperar a morte". Essa peça revela várias características da poesia inicial de Gullar, como a síntese verbal, a geometria, a mescla de termos concretos e abstratos (como a pedra e o silêncio) e a expressão subjetiva. No último poema do volume, sem título, Gullar radicaliza a disposição espacial das linhas na página, buscando dar uma dimensão plástica ao texto, ao mesmo tempo que pulveriza as palavras em sílabas e cria termos abstratos escritos em letras maiúsculas como "URR VERÕENS / ÔR / TUFUNS / LERR DESVÉSLEZ VÁRZENS".

O Vil Metal, que reúne poemas escritos entre 1954 e 1960, parece prosseguir nesse caminho de experimentação no poema que abre o volume, intitulado Fogos da Flora, mas, nas páginas seguintes, verifica-se uma mudança na dicção do autor, que apresenta textos discursivos, bem-humorados e em linguagem coloquial, como Ocorrência: "Aí o homem sério entrou e disse: bom dia. / Aí o outro homem sério respondeu: bom dia / Aí a mulher séria respondeu: bom dia / Aí a menininha no chão respondeu: bom dia / Aí todos riram de uma vez". Essa peça, assim como outras do livro, afasta-se do concretismo, praticado pelo autor entre 1957 e 1958 e revela a influência da linguagem conversacional e irônica do Modernismo, e em especial de Oswald de Andrade (1890 - 1954) e Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987).

Com as mudanças políticas ocorridas no Brasil a partir do golpe militar de 1964, o poeta escolhe um novo caminho para sua criação, privilegiando os temas sociais e o diálogo com a cultura popular, e adotando a poesia de cordel, gênero que pratica entre 1962 e 1967 (Quem Matou Aparecida, Peleja de Zé Molesta com Tio Sam, entre outros títulos). Segundo Fábio Lucas, Gullar "passa ao ritmo mais fluente e popular da língua portuguesa, as estrofes narrativas em redondilhas, nos moldes dos cantadores de feiras. Falam alto no poeta a nordestinidade, a visão urbana e o compromisso social". O interesse pela cultura popular, pela história nacional e pela participação política está presente também nas peças de teatro, em que se destacam Se Correr o Bicho Pega, se Ficar o Bicho Come (1966), em parceria com Oduvaldo Vianna Filho; A Saída? Onde Fica a Saída? (1967), com Armando Costa e A. C. Fontoura; e Dr. Getúlio, Sua Vida e Sua Glória (1968), com Dias Gomes.

Em 1975, publica Dentro da Noite Veloz, livro que reflete o momento histórico em que é escrito, marcado pela Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética: encontram-se aqui poemas dedicados a temas como a Guerra do Vietnã e a morte de Che Guevara, ao lado de outros que tratam da realidade social brasileira, das paisagens do Rio de Janeiro, da experiência vivida no exílio e ainda do sentimento amoroso. Um poema que merece citação é Uma Fotografia Aérea, com versos dispostos na página de maneira geométrica, como estes: "Meu rosto agora / sobrevoa / sem barulho / esta fotografia aérea / Aqui está / num papel / a cidade que houve / (e não me ouve) / com suas águas e seus mangues / aqui está / (no papel) / uma tarde que houve / com suas ruas e casas / uma tarde / com seus espelhos / e vozes (voadas / na poeira) / uma tarde que houve numa cidade / aqui está / no papel que (se quisermos) podemos rasgar".

No ano seguinte, é lançado Poema Sujo, talvez seu livro mais conhecido e admirado. Escrito no exílio em Buenos Aires, esse poema longo é reconhecido pela crítica como obra densa e consistente. Conforme José Guilherme Merquior, "uma das originalidades do Poema Sujo consiste precisamente na conjugação dessa fixação carnal com a insistência em cantar o corpo da cidade: da bela, pobre e úmida São Luís, berço de Gullar. O realismo caricatural de Gullar, seu apego à dolorosa finitude das pessoas e coisas emprestam a vários momentos de seu poema um tom único de abrupta humanidade". Além dos aspectos referenciais como as lembranças da infância e a descrição de cenas do cotidiano da cidade, destaca-se a riqueza rítmica e melódica do poema de Gullar, que aglutina as palavras criando efeitos sonoros que se chocam por vezes com a própria sintaxe, como nas linhas iniciais: "Turvo turvo / a turva / mão do sopro / contra o muro / escuro / menos menos / menos que escuro / menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo". Esse é um dos livros mais importantes da poesia brasileira da segunda metade do século XX, na opinião quase unânime da crítica.

Na Vertigem do Dia (1980) retoma o intimismo da fase inicial, o mergulho em suas próprias incertezas e inquietações. O poema Bananas Podres, por exemplo, recupera os temas da passagem do tempo e da morte, alegorizados na imagem da fruta que apodrece (metáfora já presente na composição As Peras, de livro A Luta Corporal). O mergulho no mundo das memórias e das emoções é aprofundado nos dois livros que o poeta publica em seguida, Barulhos (1987) e Muitas Vozes (1999).

Paralelamente à produção poética, Ferreira Gullar constrói uma sólida obra teórica e crítica no campo das artes visuais. O ponto inicial dessa trajetória é a publicação do Manifesto Neoconcreto, em 1959, que marca as diferenças entre os artistas que assinam o documento e o grupo concretista de São Paulo. Em oposição ao racionalismo exacerbado das tendências concretistas, o neoconcretismo defende a busca da experimentação de múltiplas linguagens e reforça a importância da intuição na criação artística. Do mesmo ano é a Teoria do Não-Objeto, que sistematiza e sintetiza as propostas artísticas do movimento neoconcretista, como a negação da representação, o abandono da moldura e da base, a inserção da obra diretamente no espaço e o envolvimento do espectador no trabalho artístico.

Um dos temas aos quais se dedica em textos escritos em diferentes momentos de sua vida diz respeito à noção de vanguarda e ao estudo das chamadas vanguardas artísticas. Em Vanguarda e Subdesenvolvimento, de 1969, procura explicar os vínculos que ligam as expressões artísticas modernas ao conjunto do processo cultural, demonstrando que o conceito vanguarda não tem validade universal e precisa ser situado histórica e socialmente. Retoma essas discussões na década de 1980, quando chama a atenção para o fato de que a vanguarda se tornou uma espécie de aval para experimentalismos inconseqüentes.1

Seu livro Etapas da Arte Contemporânea: do Cubismo à Arte Neoconcreta, de 1985, traz aspectos da história da arte, adotando como perspectiva a evolução que leva ao movimento concretista e neoconcretista. A obra, uma coletânea de artigos publicados no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, entre 1959 e 1960, focaliza os movimentos de vanguarda do século XX como o cubismo, o futurismo, os movimentos russos, o neoplasticismo e a Bauhaus. Escritos "em pleno calor do movimento neoconcreto",2 os artigos situam-no como herdeiro das experiências artísticas mais radicais do século XX, com o propósito de, como ele próprio sintetiza, "definir as raízes históricas da arte neoconcreta, reinterpretando os movimentos de vanguarda a partir de uma perspectiva original".3

Em sua produção mais recente de crítica de arte, rediscute antigos temas, revendo posições defendidas em obras de períodos anteriores, trata de questões da arte contemporânea ou volta-se a ensaios especialmente dedicados a artistas internacionais e nacionais. É o caso de Relâmpagos, de 2003, antologia de textos escritos ao longo de 50 anos que tratam de artistas de diversos períodos da história da arte, no mundo e no Brasil. Conforme deixa explícito na apresentação, busca um embate sem intermediários com a obra de arte, considerada como objeto perceptivo, experiência sensorial - fenômeno do ver -,4 ao criar textos que mesclam a crítica, o ensaio e a poesia.

Notas
1 GULLAR, Ferreira. Vanguarda e seus limites. In: Indagações de hoje. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989, p. 17-25.

2 GULLAR, Ferreira. Etapas da arte contemporânea: do cubismo à arte neoconcreta. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1998. p. 7.

3 idem p. 11.

4 GULLAR, Ferreira. Algumas palavras. In: ______. Relâmpagos: dizer o ver. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

Fonte: ITAU CULTURAL

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