Projeto Poesia às segundas-feiras


CORALINA, Cora; DENÓFRIO, Darcy França (Org.) Cora Coralina. 3a.ed., São Paulo, Global, 2010. p.334

A fala de Aninha (É abril...)

É abril na minha cidade.
É abril no ano inteiro.
Sobe da terra tranquila um estímulo de vida e paz.
Um docel muito azul e muito alto cobre os reinos de Goiás.
Um sol de ouro novo vai virando e fugindo a longínquas partes do mundo.
Desaguaram em março as últimas chuvadas do verão passado.



É festa alegre das colheitas.
Colhem-se as lavouras.
Quebra-se o milho maduro.
Bate-se o feijão,
já se cortou e se empilhou o arroz das roças.
As máquinas beneficiam o novo
e as panelas cozinham depressa o feijão novo e gostoso.
A abundância das lavouras são carregadas para os depósitos e os mercados.
Encostam-se nas máquinas os caminhões em carga completa.
Homens fortes, morenos, de dorso nu e reluzente
descarregam e empilham a sacaria pesada.
Fecham-se os quarteirões de ruas para a secagem de grãos 
que secadores já não comportam.
Gira o capital, liquida-se nos bancos, paga-se no comércio.
As lojas faturam alto. É um abril de bênçãos e aleluias e cantam nas madrugadas todos os 
/galos do mundo.
Os pássaros, os bichos se fartam nas sobras do que vai perdido pelas roças.
Respigam aqueles que não plantam nem colhem  e têm direito às sobras dos que plantam e /colhem.
Mulheres e crianças estão afoitas dentro das lavouras brancas de algodão aberto, colhendo /e ensacando os capulhos de neve.
Sobe dos currais serenados a evaporação acre do esterco e da urina deixados pelos /animais de custeio.

O leite transborda dos latões no rumo das cooperativas.
Borboletas amarelas voam sobre o rio.
E um sobrevivente bem-te-vi lança seu desafio pousado nas palmas dos coqueiros altos.
É abril no mundo inteiro. Os paióis estão acalculados.
As trilhas derramando. Mulheres e crianças de sítio vestem roupa nova.
E a vida se renova na força contagiante do trabalho.
Um sentido de fartura abençoa os reinos da minha cidade.

Comentários